segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Felicidade

Conheci uma senhora lúcida, um tanto austera, porém docemente amável com seus netos. Dona de memória invejável, cozinheira que nunca vi recorrer aos livros de receitas e contadora de estórias que envolviam macaquinhos vendedores de doces que ainda hoje, no auge dos meus 33 anos povoam minha imaginação.
Dona Dade, como era conhecida, foi responsável por várias de minhas notas altas na disciplina de história durante o colégio. Isso porque adorava me contar peculiaridades sobre acontecimentos que só mesmo alguém nascido em 1915 seria capaz de conhecer. Minha professora de história delirava com descrições tão minuciosas da Revolução de 1930 e vovó Dade ostentava satisfação no olhar quando lhe apresentava o resultado de seus causos.
Recordo-me do aniversário do primeiro ano do meu irmão mais novo. A mesa de doces estava repleta de patinhos coloridos e doces apetitosos, gentilmente preparados por essa senhora. Igualmente deliciosas eram as iguarias que ela preparava todas as quartas-feiras, dia de semana que sagradamente vinha nos visitar.
A distância física e a estranha certeza ilusória de que a morte não alcançará aqueles que queremos bem me acomodou. Visitei pouco minha avó desde que constitui nova família. Mas a bondade divina trouxe vovó Dade até minha casa para um almoço de domingo semanas antes de sua partida.
Neste reencontro minha avó estava visivelmente cansada e me pediu que a levasse para o quintal da minha casa. Excelente escolha.
O dia estava ensolarado, deliciosamente quente e o vento suave e constante ajudava minha avó que já apresentava certa dificuldade para respirar.
Conversamos sobre trivialidades, almoçamos e o café fresco e perfumado colocou ponto final em nosso encontro. Na despedida, olhei para aquela senhorinha sentada no banco da frente do carro que se afastava da minha casa e senti uma tristeza sem explicação aparente. Olhei para meu marido e com a voz embargada, comentei: “É a última vez que vejo minha avó”.
No dia 25/12/2010 recebemos a notícia que meu coração já havia me confidenciado semanas antes.
A dor da saudade que começa a se instalar é duramente conflitante com a amarga constatação de que poderíamos ter feito algo mais. O coração acalma a consciência com suspiros de que todos fizeram por ela tudo o que tivemos condição e disposição de fazer.
Adoro Rubem Alves porque suas palavras, por diversas vezes, acalentam minha alma. “As velas choram enquanto iluminam. Choram por saber que para brilhar é preciso morrer”.
Luciana Fernandes

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